S. Francisco de Assis não incluiu no seu Cântico das criaturas a “irmã chuva”. Louva o Senhor pelo sol, a lua, as estrelas, a terra, as nuvens, o vento, o fogo … e pela água!
Os últimos dias (semanas e mesmo meses) talvez nos distanciem desse conceito de amizade em relação à água se pensarmos no que caiu à terra. A chuva foi mesmo muita… E, mais do que “irmã”, terá sido incómoda, inoportuna, inconveniente… inimiga até se pensarmos em tanto projectos que ficaram pelo caminho pela abundância das águas e nos estragos que foi causando. Cheias, árvores tombadas, casas inundadas, vidas transtornadas… É essa a montra possível de apresentar a “o pobrezinho de Assis” quando diz da água: louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água, útil e humilde, preciosa e casta.
Sabemos que é útil. Sim, mas tanta não! Humilde? Não parece… Preciosa e casta? Diante da abundância que aí vai, será necessário pensar pelos menos duas vezes! Discurso meramente instrumental de um comodismo pessoal. Egoísta! É sempre a “nossa irmã água”, sobretudo nestes momentos em que o incómodo parece ser maior do que o benefício. Não serão maiores os estragos quando ela falta, não só no pico do verão como no rigor do inverno, quando a geada queima árvores, flores e frutos? Há não muitos anos foi assim, no nosso “jardim”…
Não há outro critério para além do natural para acolher o ritmo das estações. Mesmo quando parecem atingidas por anormalidades. Digo parecem porque a maior anormalidade estará antes nas muitas intervenções humanas que tentam deter a Natureza. O que dizer de construções junto à orla marítima ou em níveis de água abaixo de qualquer margem? E de molhes artificiais que ousam impedir a força das ondas? Há outras palavras mais “caricatas” que o tentam traduzir: “quebra-mares”, “corta-ondas”, “bate-mares”… O que significam essas palavras? Nem Moisés saberá responder, mesmo com a inspiração nos acontecimentos do Mar Vermelho… Ser naturalmente com a natureza!
Outro princípio dificilmente encontra um quadro normativo que o sustente em qualquer sector da sociedade e em qualquer época. Os ciclos da História demonstram-no em cada geração. Assim acontece sempre. Sobretudo quando em causa está a vida, a vida humana.
(Paulo Rocha no Semanário Ecclesia)
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